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terça-feira, abril 16, 2024
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Pesquisa e setor produtivo buscam conter micotoxinas no trigo

Como não existe um método capaz de combatê-la, recomenda-se o controle adequado dos grãos nas fases de produção e pós-colheita

Pesquisadores e representantes do setor produtivo estão unindo esforços para conter a contaminação por micotoxinas em alimentos derivados de trigo no Brasil. Essas substâncias, tóxicas à saúde humana e à de animais, estão relacionadas principalmente ao fungo Gibberella zeae (Fusarium graminearum), causador da giberela, principal doença do trigo no País. Como não existe um método capaz de combatê-la, recomenda-se o controle adequado dos grãos nas fases de produção e pós-colheita, além de medidas relacionadas a manejo, monitoramento de clima e uso racional de fungicidas. Paralelamente, a ciência investe em tecnologias para frear a ocorrência de micotoxinas, como o desenvolvimento de variedades resistentes à giberela e o uso de equipamentos de alta precisão para medir os níveis de contaminação.

No Brasil, análises realizadas nos laboratórios da Embrapa Trigo (RS) entre os anos de 2009 e 2017 detectaram a presença dessas substâncias em amostras comerciais de alimentos à base de cereais, como farinha de trigo, biscoitos e macarrão instantâneo, entre outros. Em alguns casos, os níveis de contaminação superaram 90%.

As três micotoxinas mais frequentemente detectadas no País são: deoxinivalenol (DON) e zearalenona (ZEA) – relacionadas à incidência de fungos do complexo Fusarium graminearum – e a ocratoxina A – produzida pelos fungos Penicillium verrucosum e Aspergillus ochraceus durante a armazenagem.

Problema afeta um quarto da produção mundial

Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), aproximadamente 25% dos alimentos produzidos no mundo estão contaminados com micotoxinas, gerando perdas anuais de um bilhão de dólares. Os impactos econômicos podem resultar em perdas entre 50% e 100% do valor comercial dos grãos, na redução da eficiência produtiva em animais, além de custos com monitoramento e controle para evitar a mistura de lotes contaminados com grãos sadios.

Entre essas, a mais preocupante é a deoxinivalenol (DON), devido à frequência das epidemias de giberela nas lavouras de cereais de inverno no sul do Brasil. Análises com alimentos contaminados mostraram que a DON resiste aos processos industriais utilizados na fabricação de biscoitos, barra de cereais e panificados. Em laboratório, a micotoxina só foi eliminada em temperaturas superiores a 210ºC, o que prejudica grande parte dos atributos de qualidade dos alimentos.

Micotoxinas afetam também a sanidade animal

Na área animal, o pior problema enfrentado por produtores, especialmente de suínos e aves, é a contaminação da ração utilizada na alimentação. As consequências do acúmulo crônico nos órgãos dos animais é objeto de estudo do pesquisador Carlos Malmmann, do Laboratório de Análises de Micotoxinas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). “Os impactos econômicos são expressivos, com alteração visível no crescimento dos animais”, explica Mallmann, lembrando que as micotoxinas não contaminam a carne produzida, mas podem aparecer nos ovos e no leite.

Em busca do trigo resistente à giberela

Pesquisadores brasileiros têm trabalhado em parceria com os principais centros de pesquisa internacional para vencer a giberela. Como o controle químico nem sempre apresenta resultados satisfatórios, a melhor solução seria o desenvolvimento de cultivares resistentes à doença. Mas para o pesquisador da empresa Biotrigo Genética Paulo Kuhnem, esse é um resultado a longo prazo, pelo qual não é possível esperar.

“Há mais de 30 genes envolvidos na infecção da planta por Fusarium. Alguns atuam na entrada do fungo na espiga, outros na dispersão da doença e os demais na produção da micotoxina. É um trabalho complexo, um verdadeiro quebra-cabeça para a pesquisa resolver”, explica. “Não podemos esperar pela resistência genética. Temos que utilizar os recursos disponíveis hoje, como cultivares moderadamente resistentes, monitoramento do clima para o manejo e aplicação de fungicidas de forma mais eficiente”, defende.

O gene mais promissor hoje é o Fhb1, presente na variedade de trigo Sumai#3, originária da China. Ele decodifica uma proteína que inibe o crescimento de fungos e tem sido utilizado em muitos programas de melhoramento genético no mundo. Mas, não deu certo no Brasil em decorrência das condições climáticas da Região Sul. Além de plantas suscetíveis a manchas e ao oídio, o trigo apresentou fatores indesejados na qualidade industrial, como farinha mais escura e menor força de glúten.

Kuhnem ressalta que os trigos desenvolvidos no sul do Brasil são considerados, no mundo todo, fontes de resistência a doenças fúngicas, principalmente devido à exposição ao clima adverso. “Nossos materiais estão sendo submetidos à introdução dos genes das fontes de resistência à giberela internacionalmente mais conhecidas, mas o resultado ainda são cultivares agronomicamente muito inferiores aos padrões exigidos atualmente pelos produtores e indústria”, explica.

Os limites da micotoxina

Para proteger a saúde humana e animal dos efeitos tóxicos das micotoxinas, e defender interesses econômicos, muitos países estabelecem níveis máximos permitidos para esses contaminantes. A definição dos Limites Máximos Tolerados (LMT) de cada micotoxina em um país é baseada em pesquisas científicas sobre os efeitos dessa toxina para a saúde humana e animal, estabelecendo parâmetros considerados seguros para a ingestão dos alimentos.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) exige a análise laboratorial de grãos e produtos à base de trigo, como farinha, farelo, alimentos infantis, pães, massas e biscoitos. A resolução de 2011 estabeleceu a redução gradativa nos limites de micotoxinas até o ano de 2016, mas a normativa somente entrou em vigor em janeiro deste ano (2019). Assim, foram determinados os novos limites de DON nos grãos de trigo para processamento (3.000 ppb), na farinha integral (1000 ppb) e na farinha branca (750 ppb).

Manejo e controle químico

As estratégias de controle da giberela devem ser empregadas de maneira integrada, incluindo cultivares mais resistentes, rotação de culturas, época e escalonamento da semeadura, além do controle químico pela aplicação de fungicidas.

Em anos de epidemia, o controle de giberela com fungicidas pode assegurar o retorno financeiro no trigo. Foi o que concluiu o grupo de pesquisadores da rede de “Ensaios cooperativos para controle de giberela e brusone do trigo” após análise de dados publicados na comunidade científica brasileira entre 2000 e 2014 (revista Plant Disease, 2017). Em geral, duas aplicações de fungicidas tiveram 60% de retorno financeiro na lavoura. Na média, o controle da giberela com aplicações logo no começo do florescimento chegou a 55% de eficiência, representando um acréscimo no rendimento de grãos de 450 kg/ha.

Atualmente, existem 48 produtos químicos registrados para controle da giberela, relatados nas Indicações Técnicas da Comissão Brasileira de Pesquisa. A alternativa mais viável, na avaliação dos pesquisadores, ainda é a aplicação preventiva de fungicidas à base de triazóis, isolados ou em misturas, especialmente diante da previsão de chuvas intensas no período.

É necessário um conjunto de medidas

O pesquisador da Embrapa Trigo Flávio Santana lembra que a eficiência no controle da giberela não depende exclusivamente da molécula utilizada: “Resolver o problema das doenças de espiga vai além de uma formulação ou ativo. Trata-se de um conjunto de medidas que precisam ser definidas e implementadas para que possamos maximizar os níveis de controle alcançados no campo”, destaca.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, as pesquisas indicam, em linhas gerais, que o primeiro controle da giberela deve ser realizado com fungicida quando a lavoura estiver entre 25% a 50% das espigas em florescimento, e uma segunda aplicação com 75%, o que normalmente fica em, aproximadamente, 5 a 7 dias após a primeira aplicação. Em anos epidêmicos (chuvosos) pode ser necessário encurtar o período entre os tratamentos ou realizar uma terceira aplicação de fungicida. Em anos mais secos, considerados de baixa epidemia, um único controle tem sido suficiente.

Estratégias na pós-colheita

Quando não é possível controlar a doença na lavoura, os grãos que chegam às unidades de armazenamento contaminados com giberela devem passar pela pré-limpeza, processo no qual são retiradas impurezas com a ajuda de peneiras e ventilação. Esse beneficiamento vai ajudar na redução da parte infectada do trigo, especialmente quando o lote apresenta pouca quantidade de grãos desuniformes.

Quando a infecção atinge grande quantidade, é necessário utilizar a mesa de gravidade (ou mesa densimétrica), que faz a separação por peso da massa de grãos, com capacidade de segregá-los.

Em 2018, a Embrapa e a Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) lançaram a cartilha “Micotoxinas no Trigo”, publicação com orientações sobre legislação e boas práticas agrícolas. Em junho de 2019, a Câmara Setorial do Trigo do Rio Grande do Sul emitiu nota técnica sobre boas práticas voltadas à redução de micotoxinas no trigo nas fases de manejo no campo e pós-colheita.

Outras técnicas para reduzir os níveis de micotoxinas são equipamentos como peeling e selecionadora óptica. O peeling realiza um “lixamento ou polimento” do grão, removendo as micotoxinas e as impurezas que estão no pericarpo, parte externa do grão. A selecionadora óptica realiza a retirada do grão fora de padrão do lote por meio de jato de ar, após a leitura óptica. Esses dois equipamentos, eventualmente, são utilizados por moinhos.

Trabalhos realizados pelas instituições de pesquisa mostram que métodos físicos como a limpeza e a mesa de gravidade podem reduzir os níveis de micotoxina DON em até 57% na farinha de trigo. No peeling, com 30 segundos de polimento, é possível reduzir os níveis de DON em 31%.

Durante processos industriais, os níveis de micotoxinas, principalmente DON, também são reduzidos. Na moagem é possível diminuir, em média, 30% da contaminação, enquanto na panificação os níveis baixam em 55%. Os cientistas ressaltam que os resultados das diferentes estratégias não são cumulativos.

Uma forma inovadora de detecção que está sendo utilizada pela pesquisa é o NIRs (tecnologia de espectroscopia no infravermelho próximo), um equipamento de alta precisão que efetua análises de alimentos por meio de radiação eletromagnética. O NIR pode identificar os níveis de giberela nos grãos em segundos. O equipamento está sendo calibrado com resultados obtidos em métodos de referência para realizar análises de qualidade tecnológica e de contaminantes, visando segregar o trigo.

A pesquisadora da Embrapa Casiane Tibola alerta que, após a colheita, deve-se realizar a secagem dos grãos o mais rápido possível, fazer a limpeza e seleção dos grãos, descartando aqueles de menor peso, que provavelmente estão contaminados, bem como fazer o controle dos insetos que danificam os grãos e facilitam a proliferação dos fungos no armazenamento. “Com o controle adequado nas diferentes etapas na produção e na pós-colheita, a contaminação por micotoxinas pode ser reduzida a um limite tolerado pelo organismo tanto de humanos quanto de animais, o que torna o consumo de derivados do trigo seguro e saudável”, conclui.

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