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quinta-feira, abril 25, 2024
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Aspectos microbiológicos da produção ao controle de água para uso em processos farmacêuticos e afins

Autor: Fernando D. Amaral.

Tendências e atualizações das normas de boas práticas de fabricação.

O termo qualidade está cada vez mais presente em nossas vidas, seja no âmbito profissional ou no modo consumidor de produtos ou serviços. O fenômeno crescente de exigências aplicadas aos produtos e serviços parece ser mais do que uma tendência deste novo século, é algo que já pode ser considerado sistêmico em vários segmentos da sociedade (AMARAL, 2012). Por outro lado, o aumento da análise crítica pelo consumidor ou pelo próprio agente fiscalizador, gera muitas vezes a revelação das fragilidades de uma organização.

Como já dito em outros artigos do mesmo tema, fragilidade pode ser sinônimo de risco sanitário. E, os riscos devem ser minimizados ao máximo, seguindo a tendência atual das exigências em boas práticas.

Nesta direção, a cada atualização de um guia ou normativa relacionada às boas práticas de fabricação de produtos de interesse sanitário, novas exigências ou recomendações são introduzidas com o objetivo de minimizar riscos.

A exemplo disto, pode-se observar claramente o crescente aumento das exigências no que tange água para uso em processos farmacêuticos e afins. Pois, dentre as diversas aplicações da água, conforme descrito na Farmacopeia Brasileira 5ª edição, volume 1, capítulo 11, esta é considerada uma matéria-prima de produção local, utilizada na produção de medicamentos e de outros produtos de interesse sanitário, além de ser o elemento essencial para a maioria dos processos de limpeza de equipamentos e áreas de produção.

Aspectos microbiológicos das boas práticas de produção e controle

A microbiologia está permeada nas bases das boas práticas de fabricação. Os requisitos Sanitários para instalações físicas e sistemas críticos, são alvo da microbiologia e da necessidade de estabelecimento de parâmetros e limites de controle (AMARAL, 2012).

A água é fonte de vida, e também de uma variada carga de contaminantes físicos, químicos, biológicos e microbiológicos. E, para servir de fonte de alimentação para sistemas de purificação de água, deve ser primeiramente potável, conforme regem as normas de boas práticas de fabricação e a Portaria MS nº 2.914/11.

Embora existam disponíveis no mercado um variado número de equipamentos (processos unitários) capazes de realizar a purificação de água até o nível desejado. Toda e qualquer tecnologia tem limites que devem ser conhecidos e respeitados. Por outro lado, com o conhecimento adequado, se pode ordenar equipamentos em uma sequência lógica para a purificação de água, minimizando as limitações técnicas e garantindo os resultados no produto final (água grau farmacopeico).

Os contaminantes microbianos da água, em especial bactérias do tipo Gram-negativo, quando detectadas, são indicadores de problemas. Estes micro-organismos são potenciais formadores de biofilme nas estruturas internas de sistemas, fonte de endotoxinas e pirógenos, além de afetarem ensaios analíticos e incrementar os níveis de COT/TOC em amostras de água, dentre outras situações indesejáveis. Portanto, os pontos críticos para a contaminação microbiana devem ser monitorados quanto a presença de bactérias Gram-negativo, como por exemplo, coliformes, Pseudomonas spp. (P. aeruginosa) e Burkholderia cepacia.

Na rotina analítica, não é incomum encontrarmos situações onde, amostras de água intermediária ou com a purificação concluída, apresentando baixa carga de unidades formadoras de colônias de bactérias aeróbicas totais (UFC/mL), mas com presença de Pseudomonas spp. ou outro Gram-negativo.

Por esta razão, indica-se a utilização de água de partida (potável) com a menor carga microbiana possível e livre de patógenos objetáveis, em complemento às ações e controles ao longo dos diversos processos unitários, seguindo até a distribuição da água para uso em processos.

A qualidade da água produzida é dependente da atenção para um processo lógico, conforme o esquema que segue:

Especificações de qualidade e determinação de limites seguros

A Farmacopeia Brasileira 5ª edição, volume 1, capítulo 11, apresenta um quadro com os principais tipos de águas, especificações de qualidade e indicações de uso, abrangendo desde o uso como matéria-prima na produção, até lavagem de equipamentos e uso nos laboratórios de controle de qualidade.

As especificações microbiológicas quanto a carga bacteriana aeróbico total varia de um máximo de 500 UFC/mL para a água potável, 100 UFC/mL para a água purificada e 10 UFC/100mL (ou menor que 1 UFC/mL) em água para injetáveis. Para esta última, ainda há a exigência de endotoxinas abaixo de 0,25 UI/mL. Além disto, salienta-se a importância da pesquisa de patógenos, em especial de bactérias Gram-negativo (coliformes totais e fecais e Pseudomonas aeruginosa) em todos os tipos de água.

É importante ressaltar que os limites microbianos apresentados nas farmacopeias são limites extremos, e, portanto, devem ser considerados como ponto de partido para a definição dos limites seguros de uso no controle de rotina das empresas. Em microbiologia, uma dada contagem de UFC/mL é algo relativo ao momento em que foi realizada a amostragem. Pois, os métodos analíticos farmacopeico requerem um tempo prolongado de incubação (ex.: 5 dias). Além disto, células viáveis poderão se multiplicar e causar um significativo incremento na carga microbiana existente. Considerada esta situação, fica claro que é imprescindível a determinação de limites seguros, abaixo dos limites máximos oficiais.

A estratégia segura e recomendável é iniciar as atividades de controle da água em sistemas de purificação, armazenamento e distribuição, da forma mais conservadora possível (leia-se de forma rígida e abrangente).

Os pontos de amostragem para controle devem abranger todos os pontos considerados críticos para a contaminação microbiana, como por exemplo: água de partida, entre os processos unitários até o tanque de armazenamentos, e seguindo para os pontos de uso na linha de distribuição. Salienta-se a grande importância do monitoramento da água de entrada no sistema de purificação e dos pontos onde não haja mais cloro residual.

No passo seguinte, com dados conhecidos, uma análise de tendências pode servir de ferramenta para redefinir os limites de aceitação. Esta análise deve considerar os pontos que apresentaram contaminação recorrente (elevada contagem total de UFC/mL e/ou presença de patógenos objetáveis), pontos comumente com maiores contagens de UFC/mL, contaminação média da água purificada, e aqueles que apresentaram alguma variação ao longo do período analisado.

A sugestão é que os limites de alerta e ação compreendam algum valor abaixo do limite máximo especificado (ex.: 100 UFC/mL). O limite de alerta quando atingido, não necessariamente demandará uma ação corretiva. Porém, deve indicar atenção para um dado ponto. Já o limite de ação é aquele que quando atingido, demandará uma determinada ação para manter os níveis de contaminação microbiana dentro dos patamares seguros e aceitáveis.

A frequência da sanitização, por exemplo, deve ser determinada pelo histórico dos resultados do monitoramento e das curvas de tendência, de forma que o sistema funcione sem exceder o limite de alerta.

Segundo a Farmacopeia Brasileira 5ª edição, vol. 1, capítulo 11, o limite de alerta pode ser estabelecido com base em uma análise estatística do histórico de tendências, utilizando dois desvios-padrão, por exemplo, ou cerca de 70% do limite de ação, ou a 50% da contagem do número de unidades viáveis, o que for menor.

Controle da contaminação microbiana

O controle da contaminação microbiana na produção, armazenagem e distribuição de água para uso em processos farmacêuticos extrapola os limites dos ensaios analíticos. Isto significa que não se pode garantir a qualidade da água produzida somente através dos ensaios analíticos microbiológicos do produto final (água no ponto de uso).

A contaminação microbiana em águas e em sistemas é uma constante. Portanto, devem estar previstos nos projetos de sistemas, nos procedimentos de operação, manutenção e de controle, estratégias para a redução ou prevenção da contaminação microbiana.

O controle de contaminação inicia-se na água de alimentação do sistema, ponto de partida para a obtenção de água grau farmacopeico, onde esta deve ser no mínimo potável. Salienta-se que a concentração de cloro presente na água deve ser tal que garanta a ausência de micro-organismos objetáveis, além de manter uma carga microbiana aeróbico total abaixo dos 500 UFC/mL.

As normas de boas práticas de fabricação, no Brasil, a RDC nº 17/10, complementada pela Farmacopeia Brasileira 5ª edição, e pelo Guia da ANVISA que trata sobre a purificação de água para uso farmacêutico, publicado em 2013, apresentam uma quantidade expressiva de informações acerca de prevenção e controle da contaminação microbiana na água para uso em processos farmacêuticos e afins.

É importante salientar que fatores extrínsecos aos sistemas podem gerar contaminação microbiana, e, portanto, devem ser considerados pelas boas práticas de fabricação. Alguns exemplos são: ambiente de instalação dos sistemas e suas partes; aditivos utilizados na manutenção rotineira (agentes químicos sanitizantes, para controle do pH da água, para redução do cloro ou para regeneração de resinas de troca iônica), pessoal de operação (nível de informação em microbiologia), procedimentos operacionais de manutenção, dentre outros.

O treinamento dos colaboradores que influem direta ou indiretamente nos processos relacionados a produção de água para uso farmacêutico, é algo muito significativo para a manutenção dos limites seguros. As intervenções, sejam de rotina ou não, apresentam um risco no que tange contaminação microbiana para o sistema, e consequentemente para a água produzida e distribuída.

Dentre as ações de controle, o que pode nortear uma ação ou outra, são os dados gerados pelo controle de qualidade. Portanto, a metodologia analítica aplicada deve estar baseada nos ensaios e diretrizes oficiais, complementada sempre que aplicável por métodos validados. A Farmacopeia Brasileira 5ª edição, capítulo 5, apresenta metodologias aplicadas ao controle de produtos e matérias-primas.

Vale ressaltar que no universo do controle de qualidade, alguns pontos essenciais para o sucesso do monitoramento de qualidade da água devem ser considerados e avaliados, como por exemplo: neutralização/ inativação de agentes inibidores do desenvolvimento microbiano nas amostras; controle de qualidade de todos os lotes de meios de cultura utilizados; análise de resultados atípicos (ex.: ausência de UFC/mL em amostras de água potável ou em pontos de coleta no sistema sem cloro); tempo entre as coletas de amostra em campo e o ensaio no laboratório; respeitar as condições de incubação das amostras (tempo e temperatura); volume de amostras adequado, considerando a carga microbiana reduzida; dentre outros.

Considerações finais

O conhecimento aplicado é a base para o sucesso da produção de água para uso farmacêutico de forma contínua e robusta. Porém, o grande número de variáveis extrínsecas e intrínsecas que incidem sobre os processos de produção até a distribuição e controle de água purificada grau farmacopeico, indicam a complexidade da aplicação prática do que foi proposto.

A produção de uma matéria-prima como a água para uso farmacêutico é algo que demanda esforços multidisciplinares, associados a projetos elaborados que considerem as boas práticas de fabricação, e fundamentalmente as peculiaridades de cada local, riscos associados e outras situações que tornam cada sistema um sistema único.

 Bibliografia de apoio

AMARAL, F. D. A evolução dos regulamentos para garantir as Boas Práticas da Produção ao processamento de produtos para a saúde. Controle de Contaminação, Ano 5, nº. 159, p. 24-27. Controle de Contaminação. Julho, 2012.

BRASIL. Ministério da Saúde. Resolução – RDC n°17, de 16 de abril de 2010.  Boas Práticas para a Fabricação e Controle de Produtos Farmacêuticos. Brasília: ANVISA, 2010.

The IPEC Risk Assessment Guide for Pharmaceutical Excipients. Part 1 – Risk Assessment for Excipient Manufacturers. First version, 2017.

Autor: Fernando D. Amaral – Farmacêutico Industrial, Ms
Consultor técnico
www.unicasuporte.com.br

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