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terça-feira, abril 16, 2024
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Qualificação de transporte na indústria farmacêutica

Abordarei nesse artigo um pouco sobre a qualificação de transporte na indústria farmacêutica. Durante o transporte se o produto não é conservado em temperatura ideal (conforme definido no registro), podem ocorrer alterações no produto final, comprometendo, a efetividade do fármaco, bem como a eficácia, a estabilidade e as características físico-químicas.

 1. Qual guia ou legislação aborda o assunto?

Na RDC 17 de abril de 2010 apenas cita que o transporte deve ser adequado, já a RDC 55 de 16 de dezembro de 2010 aborda superficialmente sobre a validação de transporte.

No final do ano passado a ANVISA publicou o Guia de Qualificação de Transporte dos Produtos Biológicos que nos ajuda bastante nesse tema.

A maior preocupação são com os medicamentos, insumos e granéis que possuem temperatura controlada, em geral de 2 a 8ºC, mas isso não exclui a necessidade de avaliar os riscos para transporte de medicamentos  em temperatura ambiente.

2. Validação ou qualificação?

Apesar de a RDC n° 55/2010 usar o termo validação de transporte o guia da ANVISA recomenda fortemente que o termo usado seja qualificação de transporte.

3. Como qualificar?

Bom já sabe por que qualificar, qual legislação seguir, o termo utilizado, agora o próximo passo é como fazer.

Primeiro veja algumas definições:

  • Registradores de temperatura

São instrumentos que armazenam dados das temperaturas para emissão dos relatórios. Devem ser utilizados instrumentos eletrônicos, calibrados na faixa de utilização, com precisão de pelo menos ± 0,5ºC e resolução mínima de 0,1ºC.

O melhor é utilizar registradores eletrônicos, pois permitem a coleta, registro contínuo, exatidão e interpretação dos dados adquiridos. Há dispositivos eletrônicos reutilizáveis que são mais caros e os dispositivos descartáveis.

  • Sistemas de transporte

Existem dois tipos de sistemas de transporte:

Ativo: são sistemas que utilizam energia elétrica alimentada de forma ativa ou outro fornecimento de combustível para manter um ambiente com temperatura controlada dentro de uma caixa isolada caminhão / reboque, container para transporte aéreo ou marítimo.

Passivo: sistemas que mantem um ambiente com temperatura controlada dentro de uma caixa térmica, pallet isolado ou um recipiente isolado fazendo uso de material pré-condicionado/ aquecido, por exemplo, gel refrigerado ou congelado, embalagens térmicas, gelo seco, isopor ou outros.

 3.1 Documentos

  • Análise de Risco

O ideal é elaborar uma análise de riscos para ter uma visão geral da cadeia de transporte da empresa e conseguir mitigar todos os riscos encontrados.

Abaixo segue um exemplo de como pode ser elaborado (clique na tabela):

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  • Requerimentos de usuário

O requerimento é recomendado para um novo sistema de transporte ou se ocorrer mudanças significativas e deve conter no mínimo:

  • Caracterização de rotas;
  • Verificação das condições ambientais
  • Definição do perfil de temperatura;
  • Sistema de transporte.
  • Protocolo

O guia da ANVISA recomenda realizar uma Qualificação de Projeto para verificar se o projeto está de acordo com o requerimento de usuário pré-definido, porém eu particularmente prefiro fazer um protocolo bem detalhado, descrevendo:

  • Meios de transporte: aéreo e/ou marítimo e/ou terrestre necessários durante toda a rota;
  • Tipo de sistema de transporte (passivo ou ativo); e materiais auxiliares (dimensão, material refrigerante, por exemplo) dentro do sistema de transporte utilizado;
  • Duração do processo de transporte;
  • Produtos transportados (volume, embalagem, forma farmacêutica);
  • Rota de transporte: distribuição local, internacional, distância e etc.;
  • Configuração da carga no sistema de transporte fotos e diagramas;
  • Volume da carga: quantidade do material mínima e máxima.
  • Localização, quantidade e justificativa para o posicionamento dos registradores de temperatura;
  • Certificados de calibração dos dispositivos de monitoramento de temperatura, informando a data da última e da próxima calibração;
  • Critérios de aceitação;
  • Condições ambientais: temperatura, umidade, variação das estações (inverno e verão), impacto e vibração.
  • Estratégia de testes: qualificação de operação, desempenho.
  • Qualificação de Operação

A qualificação de operação é uma simulação das piores condições que podem acontecer no transporte real, é recomendado fazer os testes com um tempo maior do que o transporte real, para ter uma faixa de segurança em caso de imprevistos que possam ocorrer durante o transporte.

A realização dos testes deve ocorrer em ambientes de temperatura controlada, como por exemplo, em câmaras climáticas. Se não for possível realizar tais testes como, por exemplo, caminhão refrigerado, a justificativa deve estar no protocolo.

A qualificação de operação pode ser realizada com o produto ou com amostras representativas do produto (placebo ou água), o resultado dos testes de operação estabelecerá o período máximo de tempo em que o sistema de transporte é capaz de manter a temperatura de conservação do produto, sem que haja excursão de temperatura, em cada situação testada.

Para isso deve ser utilizado um número maior de registradores de temperatura do que seria utilizado no transporte real, assim é possível avaliar quais são os pontos críticos do sistema de transporte, mais suscetíveis às variações de temperatura.

Os testes devem ser feitos com carga mínima e máxima, pois a quantidade de massa térmica está diretamente relacionada à variação da temperatura interna. É importante monitorar a temperatura externa, para simular as situações de inverno e verão da rota a ser utilizada.

O registro da temperatura interna e externa deve ser realizado em um intervalo máximo de 30 minutos. Deve-se levar em consideração se durante o transporte será necessário atividades de abertura e fechamento do sistema de transporte, assim como a reposição de material refrigerante, para realizar os testes. Três simulações em cada cenário é o número mínimo considerado e recomendado para a elaboração do protocolo da qualificação de operação. Testes vibracionais e de choque são avaliações adicionais para a qualificação de operação do sistema de transporte. Para sistema ativo dependente de energia o comportamento para uma queda de energia deve ser testado.

  • Qualificação de Desempenho

A qualificação de desempenho de um sistema de transporte consiste em embarques consecutivos do produto (ou de amostras representativas do produto) em condições reais, para demonstrar que o processo realmente é efetivo e reprodutível. Os embarques deverão ocorrer na época do ano onde a temperatura da rota seja mais crítica (exemplo: inverno e verão). Os registradores de temperatura interna devem estar localizados naqueles pontos avaliados como mais críticos durante as qualificações de operação, de acordo com o volume do sistema e da quantidade de carga. O recomendado é utilizar no mínimo, dois registradores de temperatura interna, nas posições determinadas como mais críticas nas qualificações anteriores. A temperatura externa também deve ser monitorada ao longo de todo o transporte, por pelo menos um registrador, os intervalos de registros devem ser entre 10 a 30 minutos. O tipo, número, tamanho, localização e quantidade de material refrigerante utilizado nesta qualificação devem ser os mesmos utilizados nas qualificações de operação e descrito no protocolo de qualificação. Normalmente, três transportes em cada cenário é o número mínimo considerado e recomendado para a elaboração do protocolo da qualificação de desempenho.

  • Relatório

Ao final de cada estudo deve ser elaborado um relatório com gráficos e tabelas que comprovem a eficácia da embalagem térmica testada, a quantidade de elementos frios ideal para a manutenção térmica, as especificações de cada material de embalagem, entre outros dados técnicos necessários para acreditar o estudo realizado. O ideal é que os relatórios sejam emitidos para cada etapa e a próxima etapa somente poderá ser iniciada após a conclusão e aprovação da etapa anterior. Por exemplo, os testes de Qualificação de Desempenho somente poderão ser iniciados após a emissão e aprovação do relatório de Qualificação de Operação.

3.2. Revisão periódica

A manutenção do status “qualificado” deve ser feita através de revisão periódica. Uma requalificação pode ser necessária quando for realizada a mudança de algum item que tenha impacto no sistema qualificado, como por exemplo, o tipo, quantidade e posição dos elementos refrigerantes, alteração significativa da rota, modificação dos carregamentos mínimo e máximo, alteração do sistema de transporte, além de outras modificações pertinentes.

4. Excursões de temperatura

Excursão de temperatura é o tempo em que o material fica fora da condição de temperatura especificada e devem ser sempre evitadas. Apesar de todos os cuidados que devem ser tomados durante o transporte para que a temperatura de conservação seja sempre mantida, algumas vezes, podem ocorrer excursões de temperatura por curtos períodos de tempo e devem ser imediatamente investigadas para garantir que uma determinada excursão não será capaz de alterar a qualidade do produto até o prazo de validade.

5. Temperatura cinética média (MKT)

A temperatura cinética média é uma temperatura fixa calculada, que simula o efeito das variações de temperatura em um determinado período de tempo. É utilizada para compensar as excursões de temperatura, no entanto, existem restrições para o uso da MKT, é aplicável apenas para produtos armazenados à temperatura ambiente (15°C a 30°C). Ela não é apropriada para produtos que requeiram armazenagem a temperaturas baixas, como de 2°C a 8°C, por exemplo. A MKT não pode ser utilizada para compensar um controle de temperatura precário ou a ausência deste durante o transporte de um medicamento.  A fórmula para calcular MKT é um pouco complexa, portanto vou abordar em outro artigo.

6. Estudo de estabilidade de estresse

O estudo de estabilidade avalia o impacto de curtas exposições a condições fora daquelas estabelecidas no rótulo do produto, que podem ocorrer durante o transporte e/ou armazenamento. Cada condição de estresse imposta ao produto poderá levar a um determinado nível de degradação, afetando a sua qualidade. Excursões de temperatura próximas à temperatura de conservação podem afetar minimamente o produto; no entanto, qualquer outra condição de estresse, pode afetar significativamente sua qualidade, este tipo de abordagem é capaz de avaliar o impacto das excursões de temperatura na qualidade do produto. Atualmente, este estudo é o exigido para dar suporte na avaliação de possíveis excursões de temperatura.

 Esses estudos de estabilidade estão regulamentados no Brasil pela RE nº 01, de 29 de julho de 2005 e pela RDC n º50 de 20 de setembro de 2011.

Bruna Vinco – Analista de Validação – http://www.validacaonaindustria.com.br/

 

2 thoughts on “Qualificação de transporte na indústria farmacêutica

  • Fernando Silvestre

    Prezada Bruna, bom dia!
    Bem esclarecedora sua apresentação, gostaria que pudesse indicar uma Empresa que forneça termohigrometro para baú em temperatura ambiente inicialmente, mas temos intenção de também revestir baús para temp. de 2 a 8°C, conforme demanda.
    Agradeço e aguardo seu retorno.

  • Tania Aleixo

    uma indústria farmacêutica solicitou indenização da carga armazenada e que excursionou período de 02 dias ( RANGE DO PRODUTO 15-30 graus C e excursão até 40 graus C)
    Não apresentou MKT e nem estudo do estresse por ser “confidencial ” .

    Como proceder na contestação dessa avaria?

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